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8 de fevereiro de 2012

intermitência sem gente


Este copo de leite vazio que ainda me aquece as mãos geladas. Esta luz pálida e reconfortante que traz à vista a sombra de quem sou. Poderia ficar aqui, na beira da cama, durante horas, a pensar, a olhar, ora para o chão, ora para as paredes, para a cama, para o tecto. Em silêncio poderia pôr mil ideias em ordem, fazer duzentas anotações mentais, calcular trezentas e cinquenta e uma hipóteses, poderia deitar-me e dormir. 
Mas não. Há que ficar aqui a olhar sem ver, a pensar sem lógica, a divagar, a flutuar sobre mim. E como é bom poder ouvir o silêncio que enche este espaço, que se enfeita de grandiosidade infinita e graciosa. Como é bom poder estar na beira da cama sem eira nem beira, nesta intermitência sem gente, neste impasse vagabundo, nesta melancolia sem passado nem futuro. Como é bom não decidir, não julgar, não ponderar. Como é bom saborear esta ataraxia solitária em plena madrugada. Como é bom despir-me de quem sou e vestir a sombra de quem sou por breves momentos. Momentos finitos, momentos que se perdem num lugar abstracto. 

3 de outubro de 2011

Nostalgia do meu bem perdido - 2

Desço a ravina aos solavancos e um cheiro doce a uvas maduras desperta-me os sentidos. Folhas secas povoam o chão e eu sigo o meu percurso de memórias guardadas. Ao longe, ouço o som abafado de conversa de vizinhas pautada pelo murmúrio das aves. Há maças caídas no quintal, galinhas a esgaravetar, um cão que ladra de saudade, uma sardanisca no muro, um gato vadio ao sol.
Verde, amarelo, bege e azul são as cores que preenchem esta paisagem bucólica dominada por uma discreta pacatez tão característica. As árvores deixam-se levar pela brisa suave, quente. Eu também. A melancolia invade-me aos poucos, como se pedisse permissão para levar cada pedaço meu. Sinto-me livre, despreocupada. Como se esta ambiência me levasse para bem longe e me enchesse a alma de sossego. Mas outrora não era assim ...
E a descida íngreme continua, ladeada por ervas daninhas donas de uma beleza única e rebelde.
Fecho os olhos. Há coisas de que não me quero lembrar. E entretanto sinto o aroma leve de despedida. Aroma de infância perdida.

28 de setembro de 2011

Nostalgia do meu bem perdido - 1

Caminho pelas pedras gastas da calçada. Cada uma delas traz uma memória à minha cabeça. Caminho lentamente com a solidão, com a mente embebida em sonhos, rercordações, pedaços de mim que se perderam há muito tempo. Ao pisar as pedras da calçada, tudo se reúne novamente, como se o meu interior fosse um colar de pérolas que quebrou.
As pérolas esparsas vão-se juntando. Ganham um brilho enternecedor. E os olhos enchem-se de lágrimas e um sorriso é pintado nos lábios.
E eu que caminho aos solavancos pelas pedras cinzentas, imundas e gastas da calçada olho em frente com o coração a bater velozmente. Contemplo o rio. E quantas lembranças me traz.
Inspiro profundamente. De imediato, o meu olfacto delicia-se com um aroma tão característico. Cheira à casa da avó. Cheira a eucaplito, a cebola de refogado, a praia fluvial, a uvas maduras, a ervas daninhas, a flores de mil cores. Cheira a infância.

10 de setembro de 2011

Contradição


Pequenas gotas de água caem timidamente do céu. Céu esse que se encontra decorado por pedaços de algodão de tom cinzento. O vento atira as folhas umas contra as outras, obrigando-as voar pelos ares até caírem delicadamente no chão. A última viagem.
Respira-se melancolia. Poucas pessoas ocupam os passeios das ruas.
Apesar de toda esta apatia, quero ir lá para fora, quero ter de fugir da chuva, quero ter um destino para alcançar, quero ter um propósito.
Por muito ridículo que possa parecer, sinto falta das responsabilidades, de acordar cedo, de ter de andar apressadamente para cumprir um horário. Sinto falta da adrenalina de ter de fazer mil e uma coisas num curto espaço de tempo. Sinto falta dos desafios do quotidiano.
Estou prestes a ter tudo isso. O tique-taque do relógio vai dominar de novo a minha vida, as minhas emoções e decisões.
E já sei que daqui a uns tempos vou estar de joelhos a rezar por férias.
Haja quem me entenda.