Este copo de leite vazio que ainda me aquece as mãos geladas. Esta luz pálida e reconfortante que traz à vista a sombra de quem sou. Poderia ficar aqui, na beira da cama, durante horas, a pensar, a olhar, ora para o chão, ora para as paredes, para a cama, para o tecto. Em silêncio poderia pôr mil ideias em ordem, fazer duzentas anotações mentais, calcular trezentas e cinquenta e uma hipóteses, poderia deitar-me e dormir.
Mas não. Há que ficar aqui a olhar sem ver, a pensar sem lógica, a divagar, a flutuar sobre mim. E como é bom poder ouvir o silêncio que enche este espaço, que se enfeita de grandiosidade infinita e graciosa. Como é bom poder estar na beira da cama sem eira nem beira, nesta intermitência sem gente, neste impasse vagabundo, nesta melancolia sem passado nem futuro. Como é bom não decidir, não julgar, não ponderar. Como é bom saborear esta ataraxia solitária em plena madrugada. Como é bom despir-me de quem sou e vestir a sombra de quem sou por breves momentos. Momentos finitos, momentos que se perdem num lugar abstracto.